Para compensar a demora, vou falar dele...do nosso grande poeta, compositor, dramaturgo, romancista, escritor e intérprete Chico Buarque.
É interessante como podemos redescobrir o supostamente conhecido. Quem não conhece Chico Buarque? Ele é daqueles artistas que ficam em nosso imaginário de compositores brasileiros, e que são lembrados pelo resto de nossas vidas.
Chico Buarque não faz chover, mas pelo menos um milagre pode a ele ser atribuído: música e barulho não são a mesma coisa.
("Chico Buarque" Wagner Homem)
Chico Buarque fez a diferença...É como passar horas apreciando belas histórias.
Pensou em trabalhar como arquiteto, chegando a cursar o primeiro ano da faculdade e até a se empregar em um escritório, mas logo desistiu e decidiu ser pianista. Tocava em bares e boates em Copacabana, como no Beco das Garrafas no início dos anos 1950, até que em 1952 foi contratado como arranjador pela gravadora Continental, onde trabalhou com Sávio Silveira. Além dos arranjos, também tinha a função de transcrever para a pauta as melodias de compositores que não dominavam a escrita musical.
Canção do Amor Demais, Chega de
Saudade e Eu Não Existo sem Você representam a consolidção bossa nova..
Tom foi um dos destaques do Festival de Bossa Nova. Compôs, com Vinícius, um
dos maiores sucessos e possivelmente a canção brasileira mais executada no
exterior: Garota
de Ipanema. Nos anos de 1962 e 1963
a quantidade de “clássicos” produzidos por Tom é impressionante: Samba do Avião, Só Danço Samba (com Vinícius), Ela é Carioca (com Vinícius), O Morro Não Tem Vez,
Inútil Paisagem (com Aloysio), Vivo Sonhando.
Com a faixa-título, Triste,
Lamento, entre outras instrumentais), participou de festivais no Brasil,
conquistando o primeiro lugar no III Festival Internacional
da Canção (Rede Globo),com Sabiá, em parceria com Chico Buarque.
"Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem o nosso
respeito. A nossa função é fazer canções; a função de julgar, nesse instante, é
do Júri, que ali está" (e ao afrontar assim o público, foi vaiado
estrondosamente, também. Ao que ele reagiu esperando o final dos apupos, para
deixar uma alerta e lição ao público) (...). Tem mais uma coisa só: pra
vocês, que continuam pensando que me apoiam vaiando... (o público inicia um
coro de "é marmelada!") (...). Olha, tem uma coisa só: a Vida não se resume
em Festivais!"
Em 1987, lançou Passarim, obra de um compositor já consagrado, que pode desenvolver seu trabalho sem qualquer receio, acompanhado por uma banda grande, a Banda Nova. Além.E da faixa-título,
Gabriela, Luiza, Chansong, Borzeguim e Anos
Dourados (com Chico
Buarque) são os destaques.
Folha de S. Paulo - 18/06/94
Jobim chama compositor de "gênio da raça"
O compositor Tom Jobim, que Chico Buarque qualifica de "mestre
soberano" na canção "Paratodos", rende reverência ao
seu "discípulo".
Sensibilizado com a homenagem, Jobim retribui com eloquência: "Para o
Brasil, é uma coisa muito boa ter um Chico Buarque. Ele é um gênio da raça,
depositário da cultura popular brasileira. Grande poeta, grande músico,
grande letrista, grande escritor, grande tudo."
"Eu nunca pretendi
ser mestre de ninguém. Nem formado sou. Abandonei Arquitetura no primeiro
ano, Chico, no último. Nem topógrafo, como ele, posso ser."
Mas Jobim não nega a ascendência sobre o compositor. "Chico bebeu em
todas as fontes, Pixinguinha, Noel Rosa, Vinícius de Moraes, mas devo ter
influenciado um pouquinho." "Quando escuto meus garotos, que já são
esses cinquentões como Chico, Caetano e Gil, alguma coisa lembra a minha
música. Para mim, essa é a nova geração. Depois, vou perdendo o
referencial."
O compositor recorda 11 parcerias com Chico, "alguma coisa mais para
filmes, outra que eu esqueço".
"Mas o Chico não precisa de mim para nada. Fui eu quem o procurou há um
quarto de século para botar letra em uma música que ia concorrer no Festival
Internacional de Canção", lembra.
"Sou um parceiro bissexto. Chico é um homem muito ocupado, eu também. "Minha relação com Chico é muito mais de amizade do que puramente
musical."
Grande parte das canções de Chico Buarque é feita por encomenda.
Filmes, peças de teatro, balés são a verdadeira “inspiração” do artista.
Escrita a peça, feito o copião do filme, a encomenda é entregue ao compositor.
Mas ele avisa: “Eu sou confiável, mas o compositor não é”.
Ou seja, o texto é escrito, o filme, filmado e a trilha, simplesmente, não fica
pronta. Não por desídia, desleixo ou negligência do compositor, defende-se
Chico, mas por dificuldade mesmo de fazer a letra, a canção.
Os parceiros mais chegados já conhecem a peculiaridade do amigo.
É famosa a história de “Wave”. Tom Jobim enviou-lhe a melodia da canção.
Passado algum tempo, cobrou o parceiro, que, encabulado, reconheceu que só
conseguira escrever um verso: “Vou te contar...”. Cansado de esperar, Tom fez o resto, se é
que se pode chamar "resto" a letra de "Wave".
Com a canção
“Luiza”, ocorreu o mesmo. Mais um branco de Chico, que se esquivou com o
argumento de que o melhor letrista de Tom Jobim era Tom Jobim.
Até mesmo o grande Astor Piazzola foi vítima do compositor. No início dos anos
70, o maestro argentino mandou uma música para Chico pôr a letra. O letrista
agradeceu a preferência e nunca mais deu as caras.
Passados os anos, já em meados da década de 80, Piazzola, que nem se lembrava
mais da própria música, veio participar do programa “Chico e Caetano”, na TV
Globo. Animado com a presença do argentino e a possibilidade de concretizar a
parceria internacional, Chico Buarque prometeu que, finalmente, colocaria a tão
esperada letra na já esquecida melodia.
Com a animação do letrista, animou-se o
maestro, que pôs-se, imediatamente, a ouvir a fita e trabalhar no arranjo. Na
semana seguinte, já no estúdio, Piazzola recebeu a notícia de que Chico se
atrasaria, pois estava jogando futebol. E pior: não conseguira fazer a letra.
O argentino ficou fulo. Não sabia do histórico do possível parceiro. Sentiu-se
desrespeitado. Julgava que fosse desleixo. Não entendia como um compositor com
a tarimba, a experiência de Chico Buarque, simplesmente, não conseguia colocar
letra em sua música.
Amigo de ambos, Tom Jobim se divertia com a situação, botando mais lenha na
fogueira e, aos risos, depreciava o parceiro preguiçoso: “O Chico é assim
mesmo, ele fica jogando futebol ...”. Só a zombaria do maestro brasileiro foi
capaz de acalmar o ânimo caliente do argentino.
Vê-se, portanto, que Tom era gato escaldado, mas não temia água fria.
Tanto assim que, ao receber encomenda da TV Globo para compor a trilha de
abertura da minissérie “Anos Dourados”, imediatamente, pediu a Chico que
fizesse a letra.
Meses depois, Jobim
assistia à estréia do programa, com sua música na abertura. Sem letra.
Chico Buarque, perna
avariada no futebol, viu-se obrigado a acompanhar a trama na telinha. Em vão. A
letra não saía.
Saiu do ar o
programa e a letra saiu.
O letrista veio com
nova e esfarrapada desculpa: “Eu não atrasei, a minissérie é que foi
precipitada”.
Talvez a demora se explique
pelo preciosismo do autor.
Na exposição "Chico Buarque - O tempo e o Artista, com curadoria de Zeca
Buarque Ferreira, sobrinho do homenageado, a letra de "Anos Dourados"
é exposta, praticamente pronta, datilografada, batida à máquina, com algumas alterações
feitas à mão. Dentre elas, a substituição do artigo indefinido “um”, pelo
definido “o”, quando se afirma que “é desconcertante rever o grande amor”.
Um grande amor qualquer diria, sem dificuldades, "Teus beijos nunca
mais". Não deixaria confissões no gravador, nem viveria insanos dezembros
dourados.
A isto, um grande
amor não se presta. Só o grande amor é capaz.
E de fazer esta
distinção, Chico Buarque. Ainda que demorem alguns dezembros.
Chico Buarque e Edu Lobo podem se orgulhar de ter
composto aquele que é, provavelmente, o melhor disco de trilha-sonora concebido
para balé no Brasil. O que impressiona no repertório inspirado no poema A
Túnica Inconsútil, da lavra de Jorge de Lima, de 1938, é que ele funciona
excepcionalmente bem longe do palco, no formato fonográfico. Pode-se afirmar
inclusive que Chico e Edu se empenharam tanto na delicada tarefa de fazer
levitar bailarinos, que acabaram criando uma obra que supera, e muito, os versos
do poeta alagoano.
Para Edu, compor para o Grande Circo Místico foi
desafiador:
- Eu me perguntava como era possível tirar uma hora e
meia de balé, 12 cenas, daquele poeminha. O que é que havia lá dentro, por onde
começar? Minha sorte é que eu tinha um grande parceiro, o Chico. Foram as
desdobradas que ele deu em cada sugestão de personagem que me salvaram.
Para Chico Buarque a tarefa também não foi das mais fáceis. Em depoimento à jornalista Ana Maria Bahiana em 1993, o compositor afirmou:"Apesar de ter tido uma formação religiosa, eu arquivei um pouco esse meu passado, nunca me interessei por misticismos, essa coisas. Tive de me aplicar, estudar mesmo, para poder fazer essas letras."
E essa descrença no
esoterismo aparece explícita em Sobre Todas as Coisas, aqui interpretada por
Gil, em que Buarque dispara diversos questionamentos existenciais: “Ao Nosso
Senhor/ Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor/ Se tudo foi criado - o
macho, a fêmea, o bicho, a flor/ Criado pra adorar o criador...Ou será que o
deus/ que criou nosso desejo é tão cruel/ Mostra os vales onde jorra o leite e
o mel/ E esses vales são de Deus”.
A trilha de O Grande Circo Místico perpetrou clássicos da
moderna MPB, como Beatriz, na voz de Milton Nascimento, A Bela e a Fera, com
Tim Maia, O Circo Místico, por uma afinadíssima Zizi Possi, e Gal Costa em
ótima fase na História de Lily Braun. Tudo arranjado por Edu e Chiquinho de
Moraes.
Há outras faixas que são afagos na memória, como A Ciranda da Bailarina, com um coro infantil, Valsa dos Clowns, em registro impecável de Jane Duboc, e Meu Namorado, na voz de Simone. O elenco de instrumentistas, como não poderia deixar de ser, é dos melhores: Antonio Adolfo e Cristóvão Bastos ao piano; Hélio Delmiro na guitarra; o violão de Nelson Ângelo; a gaita de Maurício Einhorn; naipe de sopros que inclui Nivaldo Ornellas, Léo Gandelman e Mauro Senise; percussão a cargo de Paulinho Braga, Chico Batera, Paschoal Meirelles, entre outros.
O Anjo Azul, de "atmosfera bárbara", com
orquestra de cordas, foi composta para a versão de 2002 do balé, com direito a
improviso do trompetista Márcio Montarroyos, que tornou-se a “melodia
definitiva”. A trilha completa chegou a ser editada à época, mas o disco não
foi lançado comercialmente. Na última faixa, a grande curiosidade: uma gravação
rara de Beatriz feita por Tom Jobim ao piano. Cristóvão Bastos acrescentou os
últimos compassos que faltavam e um solo de violino de João Daltro. Tão bela e
emocionante quanto a versão de Milton. Além desta outra versão de Beatriz, há
outras três faixas que não entraram no vinil de 83, e estão no cd: Dança de
Lily Braun,, A Levitação e A Dança dos Banqueiros.
O Choro Bandido :
Eu tava pra fazer a análise dessa música logo
depois de Samba de uma nota só, em meados de fevereiro.
Choro bandido sempre me fascinou pela riqueza melódica e profundidade da letra.
Já tinha até umas coisas na cabeça pra escrever mas que se perderam dentre
outras que entraram quando voltaram as aulas na faculdade.
"Se perderam".
Escutei ela agora pouco e as achei rapidinho e resolvi voltar aqui pra cumprir
o compromisso comigo mesmo. Choro Bandido foi composta por Chico e Edu pra uma
peça de Augusto Boal, que faleceu recentemente, chamada O Corsário do Rei, em
1985. Como em todas as parcerias deles, Chico escreve e Edu musifica. Não
conheço essa peça de Augusto então não vou entrar em detalhes na relação
música-peça. Vou olhar como uma música solta.
O que baliza a canção do começo ao fim é um amor. Mais precisamente, a sedução.
Uma sedução apelativa, naturalmente, e até infalível.
Acredito que o começo da música - e outras partes - definirão bem essa minha
idéia de apelativa e infalível.
Perceba que a primeira estrofe aparece um alguém que se declara, de um modo bem
vago, falso.
Essa falsidade assumida é simplesmente a falsidade assumida por um sedutor,
que, ao decorrer da letra, vai usando, de certa forma, de discursos enganosos a
fim de seduzir. Ser falso pra seduzir não é nenhum pecado, não?
Isso é confirmado com a primeira estrofe. Não importa que os cantores (sedutores) sejam
falsos, assim como eu. As suas canções (palavras/intenções) não serão afetadas
por isso e sempre serão bonitas. Não leve em consideração o quão miserável e
repugnante seja um poeta, pois, mesmo assim, os seus versos serão bonitos.
Considero essa como uma das temáticas destacáveis da música.
Pra que a música não seja apenas mais uma música, um clichê, Chico permeia toda
a letra com concessões (frases começando com "mesmo que") e figuras
da cultura clássica, mitologia e afins, para serem feitos paralelos com o
processo de conquista do sedutor, colocando como protagonisa o deus grego
Hermes.
Vou falar um tiquinho dele e de outros mitos que aparecerão pra fazer valer a
minha cara aquisição do Livro de Ouro da Mitologia. Outras partes - definirão bem essa minha
idéia de apelativa e infalível.
Perceba que a primeira estrofe aparece um alguém que se declara, de um modo bem
vago, falso.
Essa falsidade assumida é simplesmente a falsidade assumida por um sedutor,
que, ao decorrer da letra, vai usando, de certa forma, de discursos enganosos a
fim de seduzir. Um ato de um "sonso e
ladrão"!
O 'sonso' é o adjetivo mais relevante no tocante à música. Já o 'ladrão' tem
outra história.
Reza na mitologia que Hermes, ainda recém-nascido, roubou os bois de Apolo e,
quando interrogado a respeito, negou piamente o ato de uma maneira muito
persuasiva. Não é à toa que Hermes, dentre várias atribuições, é considerado o
deus do ladrões, ou melhor, dos que fazem trabalhos secretos na calada da
noite.
E, por fim, é assim que se tem a imagem do deus Hermes: sonso, ladrão,
enganador, fingidor, sedutor, que será explorada no decorrer da letra.
Foi a partir da invenção da lira que as palavras usadas pelo sedutor,
suas seduções, suas músicas e poesias nasceram.
Então, chega-se, ao meu ver, à mais simples e inteligente relação feita na
letra com a mitologia:
Aqui está retratada a imagem das Sereias, mais precisamente dos seus cantos e a de Ulisses.
Reza na mitologia, que os navegadores escutavam em alto e bom som o canto das sereias quando estavam em alto mar, passando por uma ilha do Mediterrâneo. Seduzidos eles iam atrás das belas melodias e vozes que ouviam. Ao chegarem na ilha, seus barcos colidiam com os recifes e naufragavam, sendo devorados pelas sereias logo após. Ulisses foi um navegador que sobreviveu aos cantos se amarrando no mastro de seu barco, para não ir de encontro às sereias, e ordenando toda sua tripulação a tampar os ouvidos com cêra.
Foi a partir da invenção da lira que as palavras usadas pelo sedutor,
suas seduções, suas músicas e poesias nasceram.
Então, chega-se, ao meu ver, à mais simples e inteligente relação feita na
letra com a mitologia, a quarta estrofe:
Genialmente, Chico nos confirma todas as idéias
usadas na letra, ao escrever esse pedaço:
"Mesmo porque eu estou
falando grego com sua imaginação."
Nesse momento, é como se saísse o sedutor de cena e entrasse o escritor (Chico)
falando diretamente para nós, ouvintes, que ele está falando em grego com o
nosso imaginário.
É interessante que fica dúbio isso: entende-se a expressão "falar
grego", de que quem ouve nada entende e entende-se "falar grego"
como falar sobre o grego. Por labirintos e alçapões Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão." Depois de tanta lábia, eis que, FINALMENTE, a
seduzida se rende, perto do final da música...
...Mesmo
que os romances sejam assim como o nosso, conquistado por algumas falsidades,
não importa, não. As nossas canções nunca deixarão de ser bonitas. Aliás, a
minha canção, a minha sedução, não deixará. Mesmo eu sendo errado ao te seduzir
assim, o meu amor por você não deixará de ser bom e nem o seu. Ou melhor, o
nosso amor não deixará.