70 anos de Chico
“Para sempre é sempre por um triz.”
―Chico Buarque
70 vezes Chico Buarque
por Matheus Pichonelli — publicado 19/06/2014 17h25,
última modificação 20/06/2014 10h18
Uma seleção com alguns
dos mais belos versos do aniversariante do dia. Por Matheus Pichonelli
Tem o Chico político. O
Chico romântico. O Chico cronista. O Chico trovador. E uma multidão de Chicos e
Beatrizes e Bárbarbas e Genis e tantos personagens sem nome que não cabem nas
caixas de CDs em homenagem a um dos maiores, se não o maior, nomes da música
popular em todos os tempos – aquele que, segundo Caetano Veloso, artista do
mesmo quilate, nos fezver
“melhor e com mais calma o quanto já tínhamos Noel, Haroldo Barbosa, Caymmi,
Wilson Batista, Ary, Sinhô, Herivelto”. Cada um tem o Chico que merece, e o
verso favorito para costurar entradas e saídas para a fossa, o riso, o suspiro.
(Nas palavras de Maria Bethânia, ele produz emoções só em pensar).

Ao longo do dia, o dia
em que Chico Buarque completa 70 anos, passei horas removendo gavetas de
memórias afetivas para montar uma lista dos meus dez Chicos favoritos – parei
nos primeiros quinze, e desisti. Tantas palavras de domínio tão exato
alçaram Chico Buarque a um posto que só nomes como Machado de Assis,
Graciliano, Rosa, Clarice, Drummond, Caetano e alguns outros poucos conseguiram
alcançar. De tal forma que é inevitável dizer: seríamos mais brutos, mais crus e
mais desonestos com tudo o que dá dentro da gente e não devia se estes versos
não existissem. A eles:
“Como, se na desordem do
armário embutido meu paletó enlaça o teu vestido e o meu sapato ainda pisa no
teu”.
Não houve até hoje
romancista, pintor, escultor ou cineasta brasileiro que tenha conseguido criar
uma imagem lírica tão poderosa quanto a despedida inconformada de “Eute
Amo”: O verso compete apenas com outro trecho da mesma música: “se na bagunça
do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu."

“Morreu na contramão
atrapalhando o tráfego”
O fim trágico do
operário de “Construção” é o fim trágico de todos nós, os que saem de casa com
um mundo às costas sem sequer imaginar que este mundo pode estar em sua última
volta – uma última volta transponível para as outras voltas indiferentes de
quem vê o outro, e as outras vidas, como um estorvo, ou um saco flácido a
atrapalhar o trânsito, o público e o sábado.
“A gente estancou de
repente ou foi o mundo então que cresceu?”
O resumo elegante do
estado de espírito de tempos autoritários, quando a desesperança anula,
aniquila, encolhe e esmaga quem investe contra a “Roda Viva”. É uma dúvida
perene: o que fizemos com o que fizeram de nós? Estancamos?
“Não se afobe, não, que
nada é pra já. Amores serão sempre amáveis”
A letra de “Futuros
Amantes” corre em dois sentidos. É o ansiolítico aos que, na ânsia de viver,
esquecem de respirar, e a marola de quem recolhe as certezas e lança ao mar as
esperanças em troca de tempo. Usada diariamente por maiores de 10 e menores de
100 anos.
“E tantas águas rolaram,
quantos homens me amaram bem mais e melhor que você”
A melodia calma e serena
de “Olhos nos olhos” é o tiro de calibre 22 na presunção masculina: penetra sem
alarde, mas estilhaça todos os órgãos internos, inclusive o orgulho, sem
lágrimas nem pena.
“E que me aperta o peito
e me faz confessar. O que não tem mais jeito de dissimular. E que nem é direito
ninguém recusar. E que me faz mendigo, me faz implorar. O que não tem medida,
nem nunca terá. O que não tem remédio, nem nunca terá. O que não tem receita”
Trecho de “O que Será (À
Flor da Pele)”. Porque nem todo sentimento é puro, nem toda adoração é plena,
nem toda reação do corpo tem nome.
“Toda noite ela diz pra eu não me afastar. Meia-noite ela jura eterno amor. E me aperta pra eu quase sufocar. E me morde com a boca de pavor”.
Nem o “Cotidiano” mais
comum é imune ao sublime, ainda que tentemos dirimir todas as dúvidas e
ansiedades entre hortelãs e feijões. O beijo final é o único beijo possível: se
o beijo não tem pavor não é beijo; é ensaio.
“A saudade dói latejada.
É assim como uma fisgada no membro que já perdi”.
Antes de Chico Buarque a
saudade, palavra exclusiva da Língua Portuguesa, possuía um significado quase
insosso: era a presença de uma ausência. Com “Pedaço de mim” virou uma dor, mas
uma dor no lugar certo: um membro que se perdeu. A imagem do revés de um parto
não poderia ser mais exata da presença dessa ausência.
“Cada paralelepípedo da
velha cidade essa noite vai se arrepiar”.
Já tentou usar a palavra
“paralelepípedo” em alguma ocasião? Nem tente: paralelepípedos não são para
iniciantes. Trecho inesquecível de “Vai passar”, o hino da pá de cal sobre a página
mais infeliz da nossa história.
“Você não gosta de mim,
mas sua filha gosta”.
“Jorge Maravilha”, conta
a lenda, era endereçada ao general Geisel, cuja filha era fã de suas músicas.
Um petardo em forma de sarcasmo e um recado: o novo sempre vence.
“A dor da gente não sai
no jornal”
Um hino contra a frieza
da “Notícia de Jornal”, incapaz de abarcar a grandeza das pequenas tragédias
humanas.
“Hoje eu vou sambar na
pista, você vai de galeria. Quero que você me assista na mais fina companhia.
Se você sentir saudade, por favor, não dê na vista: bate palma com vontade, faz
de conta que é turista”
Hino de qualquer
Carnaval, “Quem te viu quem te vê” é um acerto de contas de quem ficou, uma
espécie de eu-lírico de “Olhos nos Olhos” às avessas: o conflito entre a
essência e a afetação é escancarado por quem brincava de princesa, acostumou na
fantasia e já não se reconhece ao ver a sua origem, o morro, desfilar à sua
frente.
“Seus dois olhos vão se
encontrar no infinito”
Em “Tanto Amar”, um ode
ao absurdo: o infinito é algum ponto entre um olho a fitar e outro a boiar. É
preciso visão para encontrar beleza entre um olho e outro, algo só possível a
quem ama e, de tanto amar, faz com que ela, e ele, acreditem no próprio amor. A
moça feia podia se debruçar na janela sem medo de errar: dessa vez a banda
tocava pra ela.
“Lá faz primavera pá. Cá
estou doente. Manda urgentemente algum cheirinho de alecrim”.
Versão original de
“Tanto Mar”. No ano em que a ditadura portuguesa desmoronou, a brasileira vivia
seu auge. Levaria mais dez anos para se desfazer, até que se desfez. Do outro
lado do Atlântico, a Revolução dos Cravos era uma esperança – doce e efêmera,
como o cheiro do alecrim.
“Nós aprendemos palavras
duras, como dizer ‘perdi’”
Porque, entre “Tantas
Palavras”, final feliz é para os fracos."
Amado por nove entre dez mulheres no
Brasil, Chico Buarque completa 70 anos
Cantor celebrou em Paris, segundo amigos, terminando seu próximo romance,
previsto para sair em setembro
“Chico Buarque é um dos grandes compositores deste
mundo. Um dos meu preferidos, sem sombra de dúvidas. Suas composições são de
uma beleza rara. Seu charme é incomparável”, derrete-se Gal Costa, para muitos
a maior cantora do Brasil. Ela é uma das famosas que deram os depoimentos sobre
o artista no final desta matéria. "Adoro cantar suas músicas. Viva Chico! Parabéns e muitos anos de vida e inspiração".
Ana Carolina, cantora
O Chico é um dos maiores letristas do mundo , suas
canções são incríveis, desde aquelas que assobiamos, como ‘A Banda’, até as
mais recentes, como ‘Querido Diário’, ‘Porque Era Ela, Porque Era Eu’,
‘Cecília’ e ‘Iracema Voou’. Todas são sensacionais! Salve Chico!
Tainá Müller, atriz
Chico tem aquela aura de mistério dos homens de poucas
palavras faladas e muitos versos escritos a lápis. Não conheço pessoalmente,
porém entendo a admiração que atravessa décadas. A beleza dos olhos azuis
somada à sensibilidade que aflora de um sofisticadíssimo intelecto fazem de
Chico um muso à altura das batalhadoras desse país.
Gaby Amarantos, cantora
Ele tem um que de cafajeste inocente, sabe? Ele consegue ser macho e ter uma extrema sensibilidade em relação à alma feminina, os homens de todas as gerações têm muito a aprender com ele.
Fernanda Young, escritora
Sou fã. Aprendi a escrever, em boa parte, por causa de
suas músicas. As mulheres são retratadas em sua dor, beleza, força. Ele canta
em primeira pessoa algo que é secreto, íntimo, frágil, na mulher. Como se
soubesse de tudo. E sabe. Por isso as mulheres o amam. Em sua poesia, Chico
Buarque demonstra entender a mulher. E isso é algo que todas querem. Afora ser
um homem belo e tímido. O que também instiga o desejo feminino.
Thalita Rebouças, escritora
Érika Martins, cantora
O que bate para mim são as letras, ele escreve de uma
forma realmente feminina. A ótica é feminina, as questões são totalmente do
nosso universo. Não conheço nenhum outro compositor brasileiro que consiga se
transmutar tão intensamente para o nosso lado. E é tão ‘mulherzinha’ que acho
até minucioso, como só uma garota saberia fazer. Tudo é detalhado, mesmo o que
poderia ser dito rapidamente leva um tempo, detalhe e sensação por sensação.
Paula Lima, cantora
Chico nos encanta por entender a alma feminina, muitas
vezes mais que nós mesmas… É profundo, verdadeiro, detalhista… Poético, sonoro
e um homem, um compositor, um gênio apaixonante…! Chico, I love you! Obrigada e
parabéns!
''Enquanto Chico não tiver rugas na alma, ele estará bem''.