Bethânia e Chico: feitos um para o outro


A ascensão ao santuário das unanimidades nacionais arquivou o Buarque no repertório vocabular de Maria Bethânia. Ficou só Chico, sem acompanhantes. Basta pronunciar as duas sílabas para saber que estamos falando desse carioca de olhos cor de ardósia.
Nos países em que o artista se apresenta com mais freqüência, Bethânia não pareceria extravagante. Num restaurante em Paris, ao ouvir o nome do cliente que reservara uma mesa, o maître associou-o a um dos objetos de sua admiração: "Ah! Buarque? Como Chico Buarque?"
Maria
Bethânia em Curitiba, no show do Circuito Cultural Banco do Brasil, no Guairão:
desfile de clássicos de Chico leva o público às lágrimas:
Amor ou desamor, ternura, tempo e memória são temas que compõem o roteiro de mais de 30 canções - como "Tatuagem" (letra de Ruy Guerra), "Tira as Mãos de Mim", "Valsinha", "Maninha", "João e Maria", "Minha História".Como sempre monta seus shows pautada pela teatralidade, Bethânia também elegeu canções de forte carga dramática, como as de conotação política e social, algumas das quais o próprio Chico já considerou datadas, mas têm lugar na memória afetiva dela e do público e podem ser interpretadas em outro contexto - "Roda Viva", "Cálice", "Apesar de Você" e "Vai Trabalhar Vagabundo", "Gente Humilde" (parceria com Garoto e Vinicius de Moraes) mantém-se firme.
Longa e afetiva relação
Maria Bethânia e Chico
Buarque têm uma longa e afetiva relação na MPB. Começou na década de 60,
teve seu marco inicial em disco quando Bethânia gravou pela primeira vez uma
canção de Chico Buarque - Rosa dos Ventos, no álbum A Tua Presença (1971) -,
passou pelo palco num show e turnê em conjunto, em 1975, e segue acompanhando o
movimento da vida.
O novo capítulo dessa ligação e admiração artística é o espetáculo Maria Bethânia Canta Chico Buarque.
Com aproximadamente 30 músicas, incluindo o bis, o repertório do espetáculo privilegia as canções de Chico Buarque interpretadas pela filha de dona Canô ao longo dos seus 47 anos de vitoriosa carreira.
Cada vez menos dramática e mais serena em cena, mas sempre autoral e intensa, Bethânia canta clássicos como Rosa dos Ventos, Baioque, Maninha, Apesar de Você, Gente Humilde, Sonho Impossível, Cálice, Roda Viva, Beatriz, Gota d’Água, Noite dos Mascarados, A Rita, Terezinha, Olhos nos Olhos, Tatuagem e Olê, Olá.
Entrevista feita por telefone com Maria Bethânia, que nos atendeu em sua casa, no Rio, sempre atenciosa.
De um lado, você tem Caetano Veloso que,
além de ser seu irmão, é um grande compositor e está sempre presente em sua
carreira. Do outro, Chico Buarque, de quem você já cantou mais de 50 músicas e
de quem é, para muitos, a melhor intérprete. Qual o seu compositor predileto
entre os dois?
Caetano e Chico são os dois compositores da minha vida, estão presentes no meu repertório nestes 47 anos de estrada, cada um à sua maneira. São os dois pilares da minha música e uso as canções de cada um deles de acordo com aquilo que estou querendo expressar naquele momento. Sou uma intérprete e utilizo aquilo deles que melhor me traduz.
Tão íntima assim da obra desses dois gigantes
da MPB, quais as particularidades de composição que você ressaltaria em Chico e
Caetano?
São vanguardistas, admiráveis e têm personalidades muito fortes. Ambos me conhecem e eu ouço os dois sempre, em casa, porque me exercito e me alimento como intérprete, e sou íntima da obra deles. São românticos, são épicos, sabem falar sobre a vida de todas as maneiras possíveis. São pessoas que eu quero muito e que têm o dom de me traduzir.
Você lembra da primeira vez em que viu,
em que encontrou Chico Buarque nos anos 60?
Não me lembro do primeiro encontro fisicamente, mas lembro da primeira música que ouvi de Chico: Olê, Olá. Foi com Vinicius (de Moraes), em São Paulo, no Teatro de Arena, que apresentava o espetáculo Arena Conta Zumbi (1965), que era deslumbrante. Na época, todos nós apresentávamos nossos shows e depois íamos para o Teatro de Arena, e numa dessas noites, Vinicius me mostrou Olé, Olá. A música de Chico chegou para mim antes de sua imagem física.
Vi você e Chico juntos duas vezes na vida. Na primeira, no cinema, no musical Quando o Carnaval Chegar (1972), de Cacá Diegues, que tinha também a doce Nara Leão (1942-1989). E no filme vocês passavam, para mim, uma ideia de namoro (risos)...
(Risos). Eu era a Rosa, muito brincalhona. Eu e Chico somos geminianos, temos um elo forte, somos brincalhões. De certa maneira, tinha um pouco de verdade, era uma brincadeira platônica (risos). Chico é o homem mais bonito do mundo!
Às vezes, brinco com amigas jovens que
acham que Chico ainda é um homem lindo. Digo que ele já tem 68 anos, que está
velho... Bem, coisas do humor típico de um canceriano (risos).
Que nada, ele está cada vez mais bonito. Adoro quando a luz bate nos cabelos grisalhos dele, adoro as mãos dele, o jeito. Ele é todo lindo!
Foi difícil selecionar o repertório
desse show, já que você gravou ou interpretou dezenas de canções de Chico? Como
foi o processo?
São canções de Chico que têm a ver comigo, com o meu passado. Não faria sentido gravar composições mais atuais de um artista que continua na ativa. Mas o repertório é um desenho de Chico Buarque por inteiro, da sua visão do Brasil, de amor, do cotidiano, da época do protesto contra a ditadura, da sua relação com a vida, com as dores e as alegrias. Parece que Chico escreve o que eu penso, da maneira que eu penso. Não mudaria uma vírgula. O Chico romântico, por exemplo, é um alicerce de todo o meu repertório.
Então é muito fácil trabalhar. É muito gostoso, muito saboroso, muito prático, vem naturalmente. Está tudo dentro do meu espírito.
Tem a minha admiração por Chico, pela obra dele, por ele como músico, como compositor, como homem e como cidadão. É uma honra ter nascido no mesmo país que ele. O Chico para mim é muito casa, muito meu, tenho ele de algum modo, de todo modo.
O Chico é o homem mais bonito do mundo!
(Maria Bethânia)
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