Friday, February 20, 2015

CHICO E BETHANIA

(Anna Ramalho (Jornal do Brasil)



Bethânia e Chico: feitos um para o outro







Bife com batata frita. Caviar com champagne. Goiabada com queijo. Combinações perfeitas. Deliciosas. Maria Bethânia e Chico Buarque – feitos um para o outro. 
Há tempos Bethânia vinha acalentando o projeto de gravar um disco só com músicas de Chico. O show veio primeiro. Infelizmente, chegou, viu, venceu e... acabou. Abelha-Rainha não pretende reapresentá-lo por enquanto. Cuida, ainda para este semestre, da montagem do “Oásis de Bethânia”, que certamente será maravilhoso, como tudo que ela faz. O disco, diga-se de passagem, é lindésimothânia e Chico: feitos um para o outro...



“Maria Bethânia canta Chico Buarque” foi ao ar no domingo, 19, num Vivo Rio lotadíssimo. A cantora bateu mais um recorde: nunca um evento vendeu tão rápido; em apenas quatro horas estava tudo esgotado. Pena não ter repeteco. Tudo se esgotaria novamente.

Sempre tive curiosidade de saber (e acabei não perguntando) o que sente o artista no meio do palco – ou na plateia, escondido, como estava Chico – quando ouve aquela ovação, as milhares de pessoas gritando seu nome, pedindo bis. É uma maré de amor, de energia poderosa que emana do povo para seus ídolos. Deve ser uma sensação muito boa. Ainda que seus destinatários sejam pessoas discretas e tímidas, como são Bethânia e Chico. Ele mais do que ela.





























Bethânia e Chico nos bastidores do show“Maria Bethânia canta Chico Buarque” no dia 19

Bethânia e Chico nos bastidores do show“Maria Bethânia canta Chico Buarque” 



Um livro biográfico, uma exposição de quadros, um songbook, um show e a devoção popular consolidam Chico Buarque como paixão nacional
A cantora Maria Bethânia, dada ao cultivo de hábitos extravagantes, só o chama de Buarque. O restante do país optou por um primor de simplificação: Chico, apenas Chico - é esse o nome da paixão nacional. A redução do prenome ocorreu ainda no berço, porque no Brasil parentes e amigos costumam confinar os Franciscos na certidão de nascimento. Como todo José vira Zé, todo Francisco será Chico. Em duas etapas, deu-se depois a amputação do sobrenome que estabelece ligações entre relíquias da música popular, clássicos da sociologia e dicionários promovidos a bíblias do idioma. O sucesso do cantor e compositor tornou dispensável o De Hollanda.
A ascensão ao santuário das unanimidades nacionais arquivou o Buarque no repertório vocabular de Maria Bethânia. Ficou só Chico, sem acompanhantes. Basta pronunciar as duas sílabas para saber que estamos falando desse carioca de olhos cor de ardósia.
Nos países em que o artista se apresenta com mais freqüência, Bethânia não pareceria extravagante. Num restaurante em Paris, ao ouvir o nome do cliente que reservara uma mesa, o maître associou-o a um dos objetos de sua admiração: "Ah! Buarque? Como Chico Buarque?"


Bethânia contempla canções pontuais de Chico em sua carreira, especialmente da década de 1970, como "Rosa dos Ventos", "Terezinha" e "Olhos nos Olhos".Sem grandes surpresas, é nessas em que ela demonstra estar mais à vontade. Para quem acompanha a carreira da cantora, isso é tão natural quanto previsível.


Maria Bethânia em Curitiba, no show do Circuito Cultural Banco do Brasil, no Guairão: desfile de clássicos de Chico leva o público às lágrimas:

Lágrimas
Na sequência de "Sem Fantasia", perto do fim do show, ela canta outro clássico do compositor, "Olê Olá", em que diz "não chore ainda não", "não vale chorar". Soou até irônico, já que entre os mais de 2.200 fãs que lotaram o Teatro Guaíra havia nesse momento muitos deles enxugando as lágrimas.


Como mais uma profunda declaração de amor a Chico, Bethânia canta "Todo o Sentimento".
Amor ou desamor, ternura, tempo e memória são temas que compõem o roteiro de mais de 30 canções - como "Tatuagem" (letra de Ruy Guerra), "Tira as Mãos de Mim", "Valsinha", "Maninha", "João e Maria", "Minha História".Como sempre monta seus shows pautada pela teatralidade, Bethânia também elegeu canções de forte carga dramática, como as de conotação política e social, algumas das quais o próprio Chico já considerou datadas, mas têm lugar na memória afetiva dela e do público e podem ser interpretadas em outro contexto - "Roda Viva", "Cálice", "Apesar de Você" e "Vai Trabalhar Vagabundo", "Gente Humilde" (parceria com Garoto e Vinicius de Moraes) mantém-se firme.

Longa e afetiva relação







Maria Bethânia e Chico Buarque têm uma longa e afetiva relação na MPB. Começou na década de 60, teve seu marco inicial em disco quando Bethânia gravou pela primeira vez uma canção de Chico Buarque - Rosa dos Ventos, no álbum A Tua Presença (1971) -, passou pelo palco num show e turnê em conjunto, em 1975, e segue acompanhando o movimento da vida.

O novo capítulo dessa ligação e admiração artística é o espetáculo Maria Bethânia Canta Chico Buarque. 
Com aproximadamente 30 músicas, incluindo o bis, o repertório do espetáculo privilegia as canções de Chico Buarque interpretadas pela filha de dona Canô ao longo dos seus 47 anos de vitoriosa carreira.
Cada vez menos dramática e mais serena em cena, mas sempre autoral e intensa, Bethânia canta clássicos como Rosa dos Ventos, Baioque, Maninha, Apesar de Você, Gente Humilde, Sonho Impossível, Cálice, Roda Viva, Beatriz, Gota d’Água, Noite dos Mascarados, A Rita, Terezinha, Olhos nos Olhos, Tatuagem e Olê, Olá. 



Entrevista feita por telefone com Maria Bethânia, que nos atendeu em sua casa, no Rio, sempre atenciosa.



De um lado, você tem Caetano Veloso que, além de ser seu irmão, é um grande compositor e está sempre presente em sua carreira. Do outro, Chico Buarque, de quem você já cantou mais de 50 músicas e de quem é, para muitos, a melhor intérprete. Qual o seu compositor predileto entre os dois?

Caetano e Chico são os dois compositores da minha vida, estão presentes no meu repertório nestes 47 anos de estrada, cada um à sua maneira. São os dois pilares da minha música e uso as canções de cada um deles de acordo com aquilo que estou querendo expressar naquele momento. Sou uma intérprete e utilizo aquilo deles que melhor me traduz.

Tão íntima assim da obra desses dois gigantes da MPB, quais as particularidades de composição que você ressaltaria em Chico e Caetano?

São vanguardistas, admiráveis e têm personalidades muito fortes. Ambos me conhecem e eu ouço os dois sempre, em casa, porque me exercito e me alimento como intérprete, e sou íntima da obra deles. São românticos, são épicos, sabem falar sobre a vida de todas as maneiras possíveis. São pessoas que eu quero muito e que têm o dom de me traduzir.

Você lembra da primeira vez em que viu, em que encontrou Chico Buarque nos anos 60?

Não me lembro do primeiro encontro fisicamente, mas lembro da primeira música que ouvi de Chico: Olê, Olá. Foi com Vinicius (de Moraes), em São Paulo, no Teatro de Arena, que apresentava o espetáculo Arena Conta Zumbi (1965), que era deslumbrante. Na época, todos nós apresentávamos nossos shows e depois íamos para o Teatro de Arena, e numa dessas noites, Vinicius me mostrou Olé, Olá. A música de Chico chegou para mim antes de sua imagem física.

Vi você e Chico juntos duas vezes na vida. Na primeira, no cinema, no musical Quando o Carnaval Chegar (1972), de Cacá Diegues, que tinha também a doce Nara Leão (1942-1989). E no filme vocês passavam, para mim, uma ideia de namoro (risos)...

(Risos). Eu era a Rosa, muito brincalhona. Eu e Chico somos geminianos, temos um elo forte, somos brincalhões. De certa maneira, tinha um pouco de verdade, era uma brincadeira platônica (risos). Chico é o homem mais bonito do mundo!

Às vezes, brinco com amigas jovens que acham que Chico ainda é um homem lindo. Digo que ele já tem 68 anos, que está velho... Bem, coisas do humor típico de um canceriano (risos).

Que nada, ele está cada vez mais bonito. Adoro quando a luz bate nos cabelos grisalhos dele, adoro as mãos dele, o jeito. Ele é todo lindo!

Foi difícil selecionar o repertório desse show, já que você gravou ou interpretou dezenas de canções de Chico? Como foi o processo?

São canções de Chico que têm a ver comigo, com o meu passado. Não faria sentido gravar composições mais atuais de um artista que continua na ativa. Mas o repertório é um desenho de Chico Buarque por inteiro, da sua visão do Brasil, de amor, do cotidiano, da época do protesto contra a ditadura, da sua relação com a vida, com as dores e as alegrias. Parece que Chico escreve o que eu penso, da maneira que eu penso. Não mudaria uma vírgula. O Chico romântico, por exemplo, é um alicerce de todo o meu repertório.





O Chico romântico é certamente um alicerce.
Então é muito fácil trabalhar. É muito gostoso, muito saboroso, muito prático, vem naturalmente. Está tudo dentro do meu espírito.
Tem a minha admiração por Chico, pela obra dele, por ele como músico, como compositor, como homem e como cidadão. É uma honra ter nascido no mesmo país que ele. O Chico para mim é muito casa, muito meu, tenho ele de algum modo, de todo modo.
O Chico é o homem mais bonito do mundo!
(Maria Bethânia)


































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